Слуга


Tchekhov e Dersu Uzala Numa Jornada a Sacalina




Instalação sonora de três galpões onde a partir da utilização de imagens sonoras e as relações harmônicas entre personagens da obra de Anton Tchékhov, ocorre a criação de contos sonoros que fazem do espaço público expositivo do museu protagonista da escuta.







O Segredo do Sineiro Andrei

“Tchekhov demonstrou melhor do que ninguém que a ação cênica deve ser entendida do sentido interno (...). 
Enquanto a ação externa no palco distrai, diverte ou incita os nervos, a ação interna contagia, 
abrange nossa alma e toma conta dela.” - Konstantin Stanislavski.


Bachelard e o Sacrificio do Espaco




A cidade em Tchekhov  se desdobra como um conto do tempo no espaço.” – Mikhail Bakhtin.
Слуга
Ser.vo: adj (lat servu) 1 Diz-se de quem pertence a um senhor, aquele que não tem liberdade própria ou que não pertence a si mesmo. 2 Que não tem a livre disposição da sua vontade, dos seus pensamentos, dos seus atos. 3 Que presta serviços de criado; doméstico, serviçal, servidor.


"Filho de um servo, ... servente de loja, cantor na igreja, estudante do liceu e da Universidade, educado para a reverência de superiores e para beijos de mão, para se curvar perante os pensamentos alheios, para a gratidão por qualquer pequeno pedaço de pão, muitas vezes sovado, indo à escola sem galochas." - Anton Pavlovitch Tchekhov.


Espaço Protagonista: A transformação do conceito de protagonismo sofre um desdobramento cabal na obra dramática de Anton Tchekhov, processo que trespassa "A gaivota"(1896); "Tio Vânia"(1897); "As três irmãs"(1901) e "O Jardim das Cerejeiras"(1904). A partir de um rearranjo da ordem de escrita das peças, desde os próprios títulos das mesmas, observa-se o crescente afastamento de Tchekhov desde um protagonista-único até um protagonista-espaço, através da pulverização da figura do sujeito atuante até a atuação de campos de subjetivação como personagens. Este artifício estético revela, por fim, a inserção do autor nas correntes filosófico-ideológicas que consideram a verdade como um conceito contextual e historicamente situado. Destarte, tal forma de encarar o espaço público como palco da subjetividade coletiva afirma a importância da obra tchekhoviana como uma das fundações do pensamento sociológico relativista, a monadologia da diferenciação ou harmonia diferencial.


Conto Sonoro: O conto é uma forma narrativa, em prosa, de menor extensão (no sentido estrito de sua duração). Entre suas características, estão a concisão, a precisão, a densidade, a unidade de efeito ou impressão total – da qual falava Tchekhov (1860-1904): O conto causa um efeito singular no leitor; excitação da memória e emotividade humanística. Um conto sonoro privilegia a crueza factual da escuta de uma prosa resonante em relação a qualquer poesia musical. A concisão dos eventos sonoros gesta uma densidade da escuta dos silêncios programados em unidade às especificidades do local da instalação sonora e da arquitetura afetiva do ambiente.

•Invenção dos Museus: A institucionalização dos museus públicos no final do séc. XIX coincide com a emergência de um novo escopo de conhecimentos - geologia, biologia, arqueologia, antropologia, história e história da arte - cada qual, em suas funções de arranjar os objetos encontrados no mundo externo de acordo com uma sequência evolucionária disposta num espaço (a história do planeta, da vida, do humano, da civilização, de um indivíduo) formando uma ordem totalizadora das coisas e dos afetos que passavam a ser historicizados mais e mais através da invenção dos jornais. O museu, bem como a sala de concerto, é a casa da arte, cárcere seguro da escuta institucional. Os contos de Tchekhov são um museu de afetos cotidianos e ele é o gênio da escuta da vida alheia .

•Um Conto Sonoro: A Exposição de Museu do Artista Protagonista: A vida de Anton Tchekhov exemplifica a mudança do campo mitológico de dentro da escritura para a própria biografia do artista, dos deuses ao gênio. Umvida de servidão, como médico popular e também no devaneio noturno da escrita. E sua obra está prenhe dos  paradoxos desta atuação continuada do nascente trabalho industrial e as tensões encontradas nos entremeios dos relacionamentos urbanos. A escuta do outro e a servidão artística tem como meta seu mito póstumo de honrarias por parte das benfeitorias públicas de serviço social cultural. Para melhor ouvir o espaço do museu em sua atualização do protagonismo de seus visitantes, propomos dividir a escultura acústica do museu em duas secções: uma externalidade objetiva e uma internalidade subjetiva.

Fora {ainda dentro}: O campo de audibilidade possível de Anton Tchekhov ou as mudanças da paisagem acústica na Rússia do século XIX, da nostalgia naturalista à industrialização da escuta, do iluminismo musical romântico até o nascimento do kitsch na tragédia da escuta. Imagens sonoras para uma escuta paisagística. Por se tratar da entrada da exposição, mantemos o modelo representacional utilizada comumente numa instalação sonora.

A história começa a meio, continua inesperadamente e acaba no fim tornando-se invisível. As personagens aparecem, movem-se, estão em casa, 
falam, comem, vão à rua, dormem, respiram e continuam vivas para além dos aplausos.” – Anton Pavlovitch Tchekov.

?Bosque de Entrada: Uma instalação sonora sutil, como a de qualquer exposição de museu, que  represente o tema tratado sobre a escuta do outro (o mito-artista), aspecto da distância do contista e do contado através da ótica pedagógica do objeto-sujeito, uma poética dos sons concretos em música impressionista.
“1. ausência de palavrório político-ecômico-social; 2.objetividade total; 3. veracidade nas descrições de personagens e objetos; 
4. brevidade extrema; 5. ousadia e originalidade; 6. sinceridade.” - Anton Tchekhov em carta ao irmão.
§Flores de sons: Da obra de Anton Tchekhov são intuídos diversos contos sonoros (o vento e palavras de amor, carroceiros, estatuetas manuseadas, gaivotas, navios, neve, lona de circo, seringas, etc.) num espaço acústico mínimo, de densidade sonora sutil que transitam pelas 06 caixas de sons no desdobramento fractal de uma boneca russa (матрёшка). Tal aparelhagem deve estar visivelmente enraizados na arquitetura das árvores secas, expondo a natureza kitsch da representação e gravação dentro do ambiente-museu.  A fina ironia dos trabalhos de Pavlovich deve se antepor ao desejo de austeridade do compositor.
§Arcondicionamento: Posicionar folhas sêcas amarradas com fios metálicos em frente aos exaustores de climatização ambiental para, ao mesmo tempo, disfarçar o ruído da aparelhagem técnica enquanto chama atenção para a existência deste e do mascaramento naturalista (Народничество).
§Toaletes e Refeitório: Sobre a porta de cada um dos toaletes tocam duas composições para caixinhas de música (Баба Яга & Коще́й Бессме́ртный) que se somam no ambiente do refeitório.

•Dentro {ainda exposto}: As relações de tensões entre personagens dão vazão a uma arquitetura acústica que revele os paradoxos da escuta entre a musicalidade interna e o ruído externo, entre o sujeito-objeto mito-artista da exposição e sua posição museológica (os serventes e técnicos). Construir uma paisagem sonora que desconstrua a escuta de si no outro, uma prosa microruidosa sobre a escuta musical expressionista utilizando material adquirido durante o processo de montagem da exposição de acordo com as especificidades locais.
“O vinho e a música sempre foram para mim um magnífico saca-rolhas.” – Anton Pavlovitch Tchekov.

•Salão dos Vultos: Uma instalação sonora de representação e resonância subjetiva que posicione o espectador diante de si e dos outros ao seu redor, questionando a micropolítica do conto tchekoviano. A música como palco da escuta no século XIX, nossa ancestralidade mais próxima, que acompanha o movimento onde a mitificação deixa o imaginário mitológico em direção às relações entre indivíduos (cada vez mais parecidos e isolados).
“Tchekhov demonstrou melhor do que ninguém que a ação cênica deve ser entendida do sentido interno (...). 
Enquanto a ação externa no palco distrai, diverte ou incita os nervos, a ação interna contagia, 
abrange nossa alma e toma conta dela.” - Konstantin Stanislavski.
§Palco: Sons que mesclam a atmosfera de uma casa, um teatro, uma repartição pública e um encontro social (balbucios, passos, nomes, atmosfera da cidade, etc.)  saem de dentro do palco central entremeadas de musicações que orbitam um carrossel composto com excerptos de concertos de compositores locais da época (Tchaikovsky, Rimsky Korsakov, Mussorgsky, Balakirev, Stravinsky, Rachmaninov, Shostakovitch, etc.) Um som forte de cadafalso ocorre aleatoriamente aproximando palco e forca e cortando a cena.
§Espelho Sonoro: Um microfone pendurado sobre o palco, ligado a um aparelho de modulação temporal, especialmente criado para a ocasião, cria um efeito de dilatação do tempo e espelhamento das vozes. Como no conto tchekhoviano, as relações entre o trocadilho linguístico e a ironia da vida surgem mesmo que amparados na ausência total de um clímax, ou mesmo de um evento.

•Sala das Cadeiras: Contar sobre metareciclagem dos espaços através de objetos abandonados e suas arquiteturas subjetivas de Tadashi Kawamata relacionadas com as arquiteturas Merzbau de Kurt Schwitters e a sonoridade de Masami Akita (Merzbow). Trazendo um olhar contista sobre os espaços fractais contemporâneos.
“É o  peso do  passado  e  a insatisfação  com  o  presente  que  isolam  os homens.” – Anton Pavlovitch Tchekov.
§Cadeiras: Os serventes do museu são entrevistados e suas vozes são usadas como instrumentos para compor sons que se movimentam por 04 cadeiras do espaço tridimensionalmente. Uma ocupação da exposição por parte do museu, de dentro para fora, com a presença dessas histórias com seus cantos e contos.
§Pulsação ambiental: Uma caixa de subgraves é responsável pela execução de peças abaixo de 40Hz que vibrem as cadeiras e o próprio ambiente sem interferir nas atmosferas acústicas adjacentes. 
•Sala da Escrivaninha: Captar a atmosfera de um escritor enquanto escreve, justamente um escritor de “contos de atmosfera”, como o chama Boris Schneidermann. Enfim honrar a simplicidade interior do compositor em meio a um mundo de contínuas relações.
Cada uma das obras de Tchekhov é resolução  de  problemas exclusivamente  vocabulares. 
Suas  asserções não são verdade arrancada da vida, mas uma conclusão exigida pela lógica das palavras. 
A vida apenas se esboça indispensavelmente, atrás dos vidros coloridos da palavra.” - Vladimir Maiakovski.
§Atmosfera harmônica: Um falante no teto emana um som sutil (silêncio programado) advindo de um estudo das correspondências de Tchekhov com seus amigos e familiares (Górki, Stanislavski, Tolstoi, irmão, etc.) onde se buscará um encadeamento harmônico preciso que se aproxime o máximo da tensão relacional do autor. A influência aqui é claramente advinda da escola de síntese ondular russa, em especial a de Edward Artemiev.
§Escrivaninha: Um outro falante sob a escrivaninha emite uma gravação do próprio museu esvaziado.

•Sala dos Armários: A relação da escrita de Tchekhov com os contos orais da cultura russa (были́на) postulado como proto-cibernética, cooperativismo de redes e colaboracionismo da propriedade intelectual coletiva. O outro no autor.
 "Festejou-se o aniversário de um homem muito modesto. E apenas no final do banquete é que se percebeu que 
alguém não tinha sido convidado: o festejado." – Anton Pavlovitch Tchekov..
§Armários: Uma seleção de obras de novos artistas eletroacústicos (russos e brasileiros) faz com que cada armário tenha um distinto foco, outras escutas sobre o tema da alteridade do soar.
§Telégrafo: As letras do nome do autor atravessa o espaço da exposição na forma de quase imperceptíveis sinais em código morse. 

“As obras de arte dividem-se em duas categorias: as de que gosto e as de que não gosto. Não conheço outro critério.”

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